A cidade grande esmaga a alma de quem vivia onde não se existia pressa. Todos os andares que sobem indecentes, nos olhares da minha gente, seriam a porta do céu ou uma completa loucura. Quem é que tem coragem de chegar na varanda do 21° andar?
As luzes que brilham à noite, sob o registro intimista, seriam a constatação de que todo dia é festa. Os carros inéditos que sinalizam as conquistas de se perder a vida tentando ganhá-la, nem seriam tão cool para pessoas cujas coisas duram muito. Para pessoas que consertam coisas que estragam.
A cidade grande machuca quem só sabe sorrir. É cada um com a sua loucura. Cada um com os seus medos e as suas risadas politicamente incorretas. São vários mundos paralelos se cruzando na corrida de rato. Tocando-se sem perceberem uns aos outros.
Quanto mais cega pelos faróis, quanto mais surda pelos barulhos me sinto, mais acho que a vida pode ser o máximo se você souber viver do pouco. Mais acredito que o pouco é tudo.
Na cidade grande, as casas são cada vez mais as mesmas: blocos cinzas e brilhantes para vidas cinzas e ofuscadas pelos modismos. As mesmas pessoas estabelecem os mesmos padrões. Quem é diferente é levado a pensar que é menor.
Ninguém se conhece, mas todo mundo partilha a mesma dor no automático. As conversas rasas abrem espaço para os pedidos de socorro nos olhares. Enquanto a previsão do tempo é utilizada para quebrar o silêncio, o tempo passa quebrando as projeções de quem queríamos ser quando crianças. Ser adulto em cidade grande é ser general em guerra sem um exército.
A cidade grande assusta quem nasceu crente de que a lenda era o verdadeiro medo. Quanto "mais grande", mais gente. Tanta gente, junta, não dá um. A cidade grande torna insuficiente as 24 horas do relógio. Torna escasso para a realização dos sonhos um orçamento que é suficientemente justo. Nada nunca é suficiente, na real. A cidade grande torna a vida curta.