Eu tenho tentado te colocar aqui dentro. Abro a porta, coloco um tapete de “bem-vindo” e esforço um sorriso de lado para que se sinta querido.
Faço o café e posiciono o guardanapo, milimetricamente alinhado à mesa, para que saiba que cada coisa – aqui – tem o seu lugar. Enquanto conto do dia, bato com o punho um bolo doce com cobertura neutra para te proporcionar o equilíbrio.
Visto o meu melhor vestido para que entenda que a sutileza é uma extensão da minha brutalidade enquanto prendo os cabelos, pretensiosamente, para que o meu perfume se espalhe pelo cômodo a cada vez que o vento bater.
Sento ao seu lado para ser seu apoio. Entrelaço minhas mãos às suas a fim de provar que se encaixam. Eu escolho as palavras para ser assertiva e, ainda que isso me dê segurança, sinto que fica um pedaço do que sou pra trás a cada tentativa de algo que deveria fluir naturalmente. Expresso-me com delicadeza e te ouço com cautela. Travo toda vez que penso em te dizer coisas lindas – que seriam maravilhosas se não fosse a falta de reciprocidade.
Você pode até querer entrar, sentar à mesa e experimentar a comida, mas quero alguém que fique além do jantar. Preciso de quem chegue mais cedo para oferecer ajuda na preparação, que bata na porta e, por saber que está aberta, entre de cara. Preciso de quem roube as etapas à medida em que a receita é preparada. De quem puxe a cadeira para que eu sente e, para me arrancar risos, que se jogue no meu colo fazendo força para esmagar.
Preciso da língua escorregadia com a desculpa de que a cobertura ficou nos cantinhos. De quem não se importa quando a xícara cair no chão e se despedaçar. Preciso da pressão contra a bancada, dos toques firmes e dos beijos sutis. Necessito de quem saiba apreciar a lentidão ao mesmo tempo em que usa a rapidez a seu favor, na hora certa. De quem me puxe para si quando o ar correr e não me deixe escapar durante a noite quando o ritmo pausar. De quem tira delícias da rotina metódica e faça morada para além do estar.